Mestre em gestão ambiental e sustentabilidade com 20 anos de atividade na administração pública afirma que existe tecnologia para a exploração mineral de 'baixíssimo impacto'.
(Foto: Geiza Russo)
O engenheiro ambiental Luiz Andrade, que acumula mais de 20 anos de experiência em funções ligadas à política ambiental do Amazonas, defende que os crimes ambientais vão acontecer com ou sem o asfaltamento da BR-319. Isso se os governos não priorizarem o básico: investir nos órgãos de comando e controle da área ambiental.
Andrade faz questão de dizer que diverge de colegas nesta área e em outros temas como mineração - atividade que tem expandido na gestão Wilson Lima. “É um ativo ambiental que precisa ser utilizado”, defendeu.
Para A CRÍTICA, ele falou sobre política ambiental no Amazonas nas últimas duas décadas, expectativas para a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas no Brasil, em Novembro e crédito de carbono. Leia a entrevista abaixo.
Você atua na área ambiental, com foco em políticas públicas, há mais de 20 anos. O que mudou e o quanto mudou neste período?
Entrei no governo [estadual] em 2004, junto com o processo de criação da própria Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, implementando um programa de desenvolvimento sustentável do gasoduto para Manaus. A partir daí, fiquei lá por esse período todo, cerca de 21 anos. O Amazonas passou por fases bem distintas. Na gestão do então governador Eduardo Braga, ele teve um foco muito forte para a agenda ambiental, teve o programa Zona Franca Verde, e teve uma série de marcos legais importantes.
Foi aí que, na minha opinião, se consolidou a implementação de uma política estruturada no Amazonas. Entre 2004 e 2008, o estado foi referência para várias políticas públicas, inclusive do governo federal, como área de uso sustentável. As Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) foram uma criação do Amazonas. Nós já tivemos um pico, depois veio o governador Omar Aziz, foi mais implementação. A gente fala muito em mudanças climáticas hoje, mas naquela época já se falava. Em 2007, o Amazonas criou sua política estadual de mudanças climáticas e aí veio o processo de implementação, veio o governador José Melo, governador Amazonino, e agora estamos em uma outra fase com o governador Wilson Lima.
Nesse gráfico que vem subindo com melhorias, estamos como hoje?
Eu acho que poderíamos estar melhores. Acredito que as alternâncias, a descontinuidade das políticas, os processos de priorização de cada governador tem o seu viés e a sua prioridade. Acho que poderíamos estar melhores, porque se a gente pegar, por exemplo, o mercado de carbono, desde 2006 se fala nisso. O estado começou a sua política de serviços ambientais, de mudanças climáticas, em 2007, 2008, e a gente vem patinando, ainda não avançou. O Pará começou bem depois e a gente percebe que hoje eles estão mais avançados nessa área ambiental.
(Foto: Jeiza Russo)
Existe uma movimentação do governo estadual com o crédito de carbono. A Sema esteve nas últimas COPs para apresentar seu projeto e assinou, nesta última, um termo com uma das principais certificadoras de carbono. Uma primeira transição de crédito de carbono, porém, não aconteceu. Mas o quanto esse mecanismo é efetivo e necessário para o Amazonas?
O ativo da floresta, da Amazônia, é o maior do Brasil. Não há como negar o potencial que nós temos, o consumo monetário, uma vez que você monetiza o crédito de carbono,e é enorme. Esse mercado é muito importante para o Amazonas.
Quando ele começar a rodar e socializar, os recursos virão com a sua comercialização, beneficiando de fato as populações tradicionais, fortalecendo os órgãos que implementam a política, a Secretaria de Meio Ambiente, principalmente o Ipaam, com as as ações de monitoramento.
O crédito de carbono é um ativo ambiental que está aí e precisa ser monetizado o quanto antes. Vejo que a partir desses dividendos a política ambiental poderá ser autossustentável, ser financiada. Hoje a gente ainda depende muito de recursos externos, como do Banco Alemão, do Fundo Amazônia.Agora, é preciso ter salvaguarda. É ter cuidado para que a solução não vire um problema.
A COP acontece no Brasil este ano e é um evento com debates mundiais sobre o clima. No entanto, como pode contribuir para o avanço de debates regionais por atores daqui?
Temos uma série de temas que podem ser discutidos e, inclusive, pautar debates na COP. Os recursos hídricos, por exemplo. Se você pegar as maiores bacias de água do planeta, o Amazonas transita em pelo menos três. Hoje o Amazonas, de forma silenciosa, em uma parceria do Ipaam e da Universidade do Estado do Amazonas, tem um trabalho belíssimo de monitoramento da qualidade da água. Algo que o país não tem. O professor Sérgio e sua equipe têm informações que a Agência Nacional de Águas não tem.
Outra discussão fundamental é a bioeconomia. Potenciar as cadeias produtivas hoje ligadas à bioeconomia é indispensável. Hoje a gente não pode mais falar só do açaí e da castanha, que são cadeias consolidadas no planeta. Nós temos uma série de outros produtos e essa discussão está forte no Pará, no Amapá, no Acre. Estados como Amazonas e Rondônia precisam se aprofundar mais nessa discussão.
É uma pauta que precisa estar na COP e acredito que vai, porque o governo federal está lançando o Plano Clima e isso aparece no bojo do projeto. A diversidade de produtos que temos aqui, seja na cadeia de fármacos, seja na produção de frutos, óleos, precisa ser organizada. Vale dizer que há organizações sociais no Amazonas que já trabalham com isso, como o Idesam, a FAS, a WCS. Vejo que a sociedade civil organizada parece estar mais atenta a isso. Mesmo que esse debate ocorra em um fórum paralelo, as decisões desse espaço acabam indo parar na mesa de negociação da COP. Se o governo não levar, as organizações levarão.
Vejo que é preciso não ficar só em crédito de carbono por REDD+ [Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal]. Nas últimas COPs, o estado tem levado REDD+ e acho que a população está um pouco cansada de tanto ouvir falar e não ver a implementação do REDD+ no Amazonas.
(Foto: Jeiza Russo)
Enquanto o senhor fala em bioeconomia, o governo estadual tem apoiado a expansão de projetos de mineração no Amazonas. Temos o potássio em Autazes, e, no caso de fósseis, do gás natural em Silves e Itapiranga. Ambos os projetos estão judicializados por questões socioambientais. Como vê isso?
Acho que há espaço para diversificar a economia do Amazonas. Não vejo a exploração mineral como algo que o estado pode deixar de lado. Hoje existe tecnologia suficiente para se explorar com baixíssimos impactos. É um ativo ambiental que, do meu ponto de vista, precisa também ser utilizado. Agora, não podemos focar somente na exploração mineral.
Lembro de um trabalho que foi interessante na gestão do governador Mello, que foi a implementação da nova matriz econômica. Foi um trabalho que envolveu sociedade civil, academia, técnicos do governo, onde se buscou diversificar a atividade econômica, saindo um pouco da Zona Franca de Manaus e do gás, que naquele momento era muito forte, para trazer outras cadeias. Com a destituição do governador, isso morreu.
Acho que precisa retornar a cadeia do pescado, por exemplo. O Amazonas tem um potencial importante e nós temos muitas possibilidades. O que falta é, de fato, priorizar algumas dessas cadeias e apostar nelas como alternativas à Zona Franca de Manaus. A fruticultura tem um mercado fantástico.
Em relação à mineração, sei que há muitos colegas da área ambiental que são muito restritivos a essa atividade, lançam mão desse recurso, mas reafirmo que hoje existem técnicas, o processo tecnológico evoluiu muito bem e é impossível explorar de forma a ter baixo impacto.
(Foto: Jeiza Russo)
O principal argumento contra a BR-319 é o ambiental. Não podemos mitigar os problemas de maneira a permitir que tenhamos a estrada?
O Amazonas tem um longo histórico de promessas relacionadas à estrada. Lembra muito a questão da mineração, já que gera muita divisão. A BR-319 é necessária para o aspecto econômico, social e também ambiental.
Muita gente não sabe, mas mesmo ela estando pavimentada, o processo de degradação no entorno da região está acontecendo há muito tempo. Muitos dos ativos florestais, as madeiras nobres, já saíram. Então, esse posicionamento de alguns técnicos de que não vai segurar o desmatamento, não acho que seja o caso.
No ano passado, tivemos cinco municípios do Amazonas entre os maiores desmatadores. Então, o desmatamento já vem acontecendo. As vezes o Ipaam, que é estadual, tem um centro de monitoramento de ponta, consegue visualizar o que ocorre, mas não tem estrutura física de combate. Talvez a estrada pavimentada até facilite esse monitoramento.
Já é sabido que vai se implantar uma série de salvaguardas na própria BR-319 para que se tenha controle, uma presença mais efetiva do poder público.
Em 2023, o Amazonas bateu recorde de queimadas e o cenário foi piorado por incêndios em Autazes e Iranduba, muito próximos da capital. Ainda assim, o governo não conseguiu combater efetivamente. Como conseguiria na BR-319?
O governo estadual precisa fortalecer as instituições. O Ipaam tem um quadro reduzidíssimo. Trabalha com cerca de 39% do quadro efetivo que hoje existe na instituição. O Ipaam e o batalhão ambiental precisam ser fortalecidos.
Ano passado tivemos a operação Tamoiotatá, que é muito bem estruturada, integra as forças de segurança, e precisa estar em campo. No ano passado, operamos com uma frente, quando deveríamos estar pelo menos em três.
Então, se não tiver uma priorização para a agenda ambiental, pavimentada a BR-319, ou ilícitos ambientais vão continuar ocorrendo.