OPINIÃO

A delicadeza como atitude ética e política

A expansão do ódio é um programa bem sucedido de Norte a Sul do Brasil e na versão global, onde laboratórios revelam o potencial de atores nessa área

Ivânia Vieira
26/02/2025 às 13:45.
Atualizado em 26/02/2025 às 13:45

Li, esses dias, alguns artigos sobre a escalada do ódio no Brasil – e no mundo – a partir de dois indicadores: o adoecimento agravado do Papa Franciso e a presença do escritor Marcelo Rubens Paiva no bloco Acadêmico do Baixo Augusta, em São Paulo, no dia 23.  Ambos foram severamente agredidos.

Leonardo Sakamoto reuniu postagens de conteúdo festivo pela morte do papa e traz a banalização da violação da dignidade humana ao debate, se é que o debate acontecerá. Mesma situação a que foi submetido Marcelo Rubens Paiva, ao comparecer a homenagem feita pelo bloco de carnaval. Um ‘folião’ lançou uma mochila e uma lata de cerveja em direção ao autor do livro “Ainda Estou Aqui”.     

A expansão do ódio é um programa bem sucedido de Norte a Sul do Brasil e na versão global onde laboratórios revelam o potencial de atores nessa área, como os donos das big techs acoplados a governos; mobiliza pessoas ricas, pobres, miseráveis. Por meio das pitadas diárias no WhatsApp, nos demais espaços das redes sociais e numa produção cotidiana da mídia anexada ao programa ódio. É negócio rentável para poucos grupos, mantém seguidores fieis, dispostos a agirem na difusão cotidiana dos objetivos da ação odiar. Seleciona alvos e dispara na festa sanguinária dos algoritmos.    

Na contramão, a delicadeza parece ser o voo curto, sem chance de fazer alianças e ser colocada como potência de vida. Denilson Lopes, em A delicadeza: estética, experiência e paisagens (editora UnB, 2007), faz um amplo e desafiador diálogo para situar academicamente a importância dessa atitude. “{...}A delicadeza não é, portanto, só um tema, uma forma, mas uma opção ética e política, traduzida em recolhimento e desejo de discrição em meio à saturação de informações. (p.59)”.

Lopes insere a categoria leveza que em Calvino representa não só questões formais, mas um estar diferenciado no mundo. Em Seis Propostas para o Próximo Milênio (Companhia das Letras, 1ªed. 1990) tradução Ivo Barroso, Calvino afirma “{...} às vezes, o mundo inteiro me parecia transformado em pedra: mais ou menos avançada segundo as pessoas e os lugares, essa lenta petrificação não poupava nenhum aspecto da vida. Como se ninguém pudesse escapar ao olhar inexorável da Medusa”.

Os tentáculos do ódio estão espalhados, escancarados nos corpos de pessoas que frequentam lugares sagrados e naqueles profanos. Podem ser vistos e sentidos entre os dominados e os dominantes, os vulneráveis e os imbatíveis. Perceber, nesse esforço que faz doer o corpo surrado, a captura da alegria ao se resgatar a narrativa capaz de lidar com o mundo que nos escapa entre os dedos, diante de nós, é a determinação de desvencilhar-se das teias odiosas, “trata-se de buscar uma nova aventura tão antiga como as lendas e mitos, tão nova como o mundo da informação, um mistério que emerge mesmo de um mundo transparente e claro (LOPES, 2007, p.73).

A nova aventura de ser no mundo tem pé fincado na primeira terra transformada em território, banha-se na água do primeiro rio e permanece como convite aos humanos.

Assuntos
Compartilhar
Sobre o Portal A Crítica
No Portal A Crítica, você encontra as últimas notícias do Amazonas, colunistas exclusivos, esportes, entretenimento, interior, economia, política, cultura e mais.
Portal A Crítica - Empresa de Jornais Calderaro LTDA.© Copyright 2025Todos direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por