OPINIÃO

A escola de Irmã Santina e o amor incondicional à vida

Santina Perin nos fez ver o racismo em Manaus e nos ensinou como enfrentá-lo com gestos e palavras

Por Ivânia Vieira
19/02/2025 às 08:23.
Atualizado em 19/02/2025 às 08:23

Há 14 anos, Irmã  Santina Perin chegava em Manaus para retomar em terras amazônicas as ações em favor do povo haitiano. Parcela dos haitianos desembarcou no Amazonas, a partir de Tabatinga, no Alto Solimões, entre os anos de 2010 e 2011, em consequência do terremoto de 12 de janeiro de 2010, com intensidade de 7.3 graus na escala Richter, e mais de 200 mil mortos e de um milhão de desabrigados. 

Santina, hoje com 84 anos, nascida em Marau (RS), viveu por 25 anos no Haiti e ali construiu história sólida na luta pelos direitos humanos dos haitianos ora submetidos a ditadura ora em deslocamento para outros países igualmente severos. A vida da missionária está impregnada de Haiti, principalmente das comunidades mais vulneráveis, das mulheres e das crianças.

A morada em Manaus é a acolhida e a bússola para os haitianos que chegaram à capital amazonense e lidaram com rejeição, desconfiança e racismo. Santina, pequenina e franzina, se fez gigante na abertura dos espaços, nos diálogos com autoridades e lideranças locais. Intérprete dos haitianos e dos amazonenses por falar creóle e francês. Em Santina, não existe fronteira para o idioma amor na dimensão mais elevada. Em Manaus, ela comprovou o efeito da receita.

Liderou movimentos contra o tráfico humano, atravessou rios e igarapés, pôs os pés em terrenos arriscados, recebeu ameaças, nas manifestações e marchas públicas estava presente, com bandeira de pano esticada e voz firme para denunciar, conclamar a participação do povo nas lutas. Sem jamais perder a ternura. Na segunda-feira (17), Santina Perin seguiu para nova morada, em São Paulo, para, vigiada de perto, cuidar da saúde.

No domingo (15), na Igreja São Geraldo, bairro São Geraldo, zona Centro-Sul, o padre Marco Antônio Alves Ribeiro e a comunidade haitiana realizaram missa-homenagem à Irmã Santina. Um momento pluricultural de boniteza emocionante. 

Um aprendizado - Para jornalistas e o jornalismo de Manaus, Irmã Santina Perin é escola. Quem teve a oportunidade de entrevista-la, de escutar a fala, de sentir os gestos, aprendeu muito e saiu desse encontro diferente. A capacidade de criar ambientes de escuta, de promover diálogos e de demonstrar o valor da generosidade é marca da missionária. Não diz o que ela é, faz!

Um jornalismo acelerado, descolado da escuta profunda e colado ao assessorismo de uma porção do poder político e econômico que o asfixia cotidianamente tem em Santina um outro molde. Para aqueles que compreendem a função social do jornalismo e questionam o estado em que se encontra parte das práticas jornalísticas voltar-se à Irmã Santina – por vezes negada como “pauta que rende” - é possibilidade de perceber e aprofundar-se na leitura crítica da realidade, de teimar contra os silenciamentos impostos por motivações político-econômicas ou questionar os barulhos encomendados pelas mesmas razões e na lógica do ‘mudar para manter’.

No mundo atravessado em e por Santina Perin são as histórias dos povos marginalizados o livro da resiliência, da esperança e dos laços de cipós construtores de obras que enunciam o cuidado com o Outros e confrontam a ideia do vale-tudo contra o Outro. Em Manaus, Santina Perin nos fez ver o racismo e, nas suas atitudes, ensinou como enfrentar, com gestos e palavras nas periferias socioeconômicas, nas casas do poder político e do poder econômico.  

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