Sem a presença física de Francisco, nos cabe valorizar ainda mais o presente, menos por ele e mais pelas gentes e não gentes amazônicas
(AFP/Vatican Media)
No ano de 2020, o Papa Francisco apresentou quatros sonhos e fez um convite-convocação ao mundo para sonhar a Amazônia: sonho social, sonho cultural, sonho ecológico e o sonho eclesial.
Francisco amou a Amazônia. Andarilho, o quanto pode, o papa buscou escutar as falas diferentes dos amazônicos, provou as comidas, conheceu os sons, as danças, os abraços e cafunés; conheceu e sentiu o sofrimento dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, o processo de expulsão, de encurralamento e de morte de tantos em um dos mais longos ciclos de violência imposto a uma região e aos sujeitos que nela habitam.
A exortação apostólica pós-sinodal “Querida Amazônia” é um desses documentos necessários e deveria ter presença bem recepcionada nas universidades, em todos os cursos, e nos ciclos escolares fundamentais e médios como a outra parte do tecimento desses sonhos.
A “Querida Amazônia” deveria encharcar também os ambientes diversos da Igreja Católica brasileira e, em recorte a do Norte, em movimento de ocupação das mentes e corações por uma outra prática pastoral. Francisco nos presenteou um mecanismo pedagógico por meio do qual podemos conhecer, reconhecer, sentir e agir.
Agora, sem a presença física de Francisco, nos cabe valorizar ainda mais o presente, menos por ele e mais pelas gentes e não gentes amazônicas. Os desafios de viver nesta região são cada vez mais pesados. A Amazônia é submetida por governos e grupos empresariais transnacionais à condição de commodity, aos negócios do mercado ilegal. Nos fragmentos dos sonhos escritos pelo papa há saída:
“O nosso é o sonho de uma Amazônia que integre e promova todos os seus habitantes, para poderem consolidar o bem viver. Mas impõe-se um grito profético e um árduo empenho em prol dos mais pobres. Pois, apesar do desastre ecológico que a Amazônia está a enfrentar, deve-se notar que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” – sonho social;
“O objetivo é promover a Amazônia; não colonizá-la culturalmente, mas fazer de modo que ela própria tire fora o melhor de si mesma. Tal é o sentido da melhor obra educativa: cultivar sem desenraizar, fazer crescer sem enfraquecer a identidade, promover sem invadir. Assim como há potencialidades na natureza que se poderiam perder para sempre, o mesmo pode acontecer com culturas portadoras duma mensagem ainda não escutada e que estão ameaçadas hoje mais do que nunca” – sonho cultural.
“Numa realidade cultural como a Amazônia, onde existe uma relação tão estreita do ser humano com a natureza, a vida diária é sempre cósmica. Libertar os outros das suas escravidões implica certamente cuidar do seu meio ambiente e defendê-lo e – mais importante ainda – ajudar o coração do homem a abrir-se confiadamente àquele Deus que não só criou tudo o que existe, mas também Se nos deu a Si mesmo em Jesus Cristo (...). Na Amazônia, compreendem-se melhor as palavras de Bento XVI, quando dizia que, ao lado da ecologia da natureza, existe uma ecologia que podemos designar 'humana', a qual, por sua vez, requer uma 'ecologia social'” – sonho ecológico;
“A Igreja é chamada a caminhar com os povos da Amazônia. Na América Latina, esta caminhada teve expressões privilegiadas, como a Conferência dos Bispos em Medellín (1968) e a sua aplicação à Amazônia em Santarém (1972) [79]; e, depois, em Puebla (1979), Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007). O caminho continua e o trabalho missionário, se quiser desenvolver uma Igreja com rosto amazônico, precisa crescer numa cultura do encontro rumo a uma 'harmonia pluriforme'. Mas, para tornar possível esta encarnação da Igreja e do Evangelho, deve ressoar incessantemente o grande anúncio missionário" – sonho eclesial.