OPINIÃO

Sambas-enredos cantam as origens e vestem a alma do povo

As culturas afro e indígenas, em fragmentos, endoidecem multidões, derramam lágrimas, chamam os corpos à dança e promovem curiosidades

Por Ivânia Vieira
06/03/2025 às 08:20.
Atualizado em 06/03/2025 às 08:22

Grande Rio levou para a avenida o enredo “Pororocas Parawaras: As Águas dos Meus Encantos nas Contas dos Curimbós”

O Carnaval se fez ponte, canoa, barco, estrada na tarefa da reconciliação com nossas origens. Restaurar é uma viagem longa e adversa. Tem muros altos erguidos em séculos da história de colonização e da colonialidade vigente, impregnada em instituições, no modo de operar a academia e das religiões dominantes.

Nos livros faltam páginas ou estas foram rasgadas antes para assegurar à escola o ensinar pensamento colonizador-colonial e a pesquisa, com selo de qualidade, reproduz os esteios desse conhecimento sem contracolonizar. Nos ensinaram a nos perder de nós mesmos e a enquadrar no molde do pensamento hegemônico as gentes diferentes cortando delas aquilo que não cabe no encaixotamento. 

Então, vem o carnaval, como o de 2025 (não é o primeiro a fazer aula pública de Brasil) e nos põe diante da profusão de outros conhecimentos em forma de samba-enredo. As culturas afro e indígenas, em fragmentos, endoidecem multidões, derramam lágrimas, chamam os corpos à dança e promovem curiosidades: o que essa palavra significa?

Neste ano, os sambas-enredos são o livro da outra história cultural-política-social, econômica e da espiritualidade da nação Brasil. As páginas, separadas por cada escola, nos fazem querer ler mais e reivindicar que escolas e universidades incluam pelas portas principais dos currículos e panos de ensino o conhecimento desse livro cantado e dançado. Eis pedacinho dele:        

“A Mina é Cocoriô

Feitiçaria Parawara

A mesma Lua da Turquia

Na travessia foi encantada

Maresia me guia sem medo

Pro banho de cheiro

Na encruzilhada, espuma do mar

Fez a flor do mururé desabrochar” (Grande Rio)

  

“Chama João pra matar a saudade

Vem comandar sua comunidade

Ó Jakutá

O Cristo preto me fez quem eu sou

Receba toda gratidão, Obá

Dessa nação nagô

Da casa de Ogum, Xangô me guia

Da casa de Ogum, Xangô me guia

Dobram atabaques no quilombo Beija-Flor

Terreiro de Laíla, meu griô” (Beija-Flor)

  

“Salve, seu Zé, que alumia nosso morro

Estende o chapéu a quem pede socorro

Vermelho e branco no linho trajado

Sou eu malandragem de corpo fechado

Macumbeiro, mandingueiro, batizado no gongá

Quem tem medo de quiumba não nasceu pra demandar

Meu terreiro é a casa da mandinga

Quem se mete com o Salgueiro, acerta as contas na curimba” (Salgueiro)

  

“Oya, Oya, Oya ê

Oya Matamba de kakoroká zingue

Oya, Oya, Oya ê ô

Oya Matamba de Kakoroká zingue ô

É de arerê, força de Matamba

É dela o trono onde reina o samba

É de arerê, força de Matamba

É dela o trono onde reina o samba

Sou a voz do gueto, dona das multidões

Matriarca das paixões, Mangueira

O povo banto que floresce nas vielas

Orgulho de ser favela” (Mangueira)

  

“Vai começar o itã de Oxalá

Segue o cortejo funfun ao Senhor de Ifón, Babá

Vai começar o itã de Oxalá

Segue o cortejo funfun ao Senhor de Ifón, Babá

Orinxalá destina seu caminhar

Ao reino do quarto Alafin de Oyó

Alá, majestoso em branco marfim

Ofereça pra Exu, um ebó vai proteger

Penitência de Exu, não se deixa arrefecer

Ele rompe o silêncio com a sua gargalhada

É cancela fechada, é o fardo de dever

Oní sáà wúre, awúre, awúre

Quem governa esse terreiro ostenta seu adê

Ijexá ao pai de todos os oris

Rufam atabaques da Imperatriz

Vai começar” (Imperatriz)

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